DE SAUDADE
Hoje senti saudade,
não sei de quê e nem sei bem porque...
Senti saudade, isto é tudo,
a saudade é como a dor
que chega e vai quando quer,
caprichosa e desdenhosa,
porque a saudade é mulher.
Hoje senti saudade,
vontade de correr mundo,
mas tão pequeno é meu mundo
que só ficou na vontade.
Remédio p'ra saudade existe:
é fazer versos
e esses aqui estão
Alguém chegou junto a mim,
tomou-me as mãos ternamente
e conduziu docemente
a minha alma consigo,
o espírito da saudade,
não sei porque, nem de quê...
De você, calma cidade,
que um dia me viu nascer?
Talvez – quem sabe? – talvez...
Olhei o escuro relógio
da torre da velha igreja
e ele estava parado como sempre
querendo se impor ao tempo,
pois romântico ele é...
Que fique parado assim,
outros trabalham por ele!
Não importa que os homens passem,
que os meninos fiquem homens,
que amores nasçam e morram
ao pé da torre onde está...
Deixem-no dormir esquecido,
seu romantismo assim quis;
deixem-no embalar a lembrança,
parado nas horas mortas
talvez de um dia feliz.
Passei por sobre o jardim
e olhei o banco vazio...
Meu Deus! Aquele banco!
Aquele banco sem nós!
Nunca pensei ser possível!
Um trecho da minha estória
ficou dormindo no banco:
dois olhos, duas mãos, duas covinhas
emoldurando um sorriso amado,
um rostinho amorenado
e me falar coisas lindas
e um amor, um belo amor...
Namorados, namorados,
não sentem naquele banco!
Não façam tão grande crime!
Ali descansa da lida
um pouco da minha vida.
Minha vida... minha infância...
"Cobra cega!"
"De onde vem?"
A criançada corria
como doidas borboletas
e eu também lá estava...
Às vezes era uma roda enorme
que girava e que cantava:
"Surupango da vingança,
todos, todos passarão..."
E eu fui passando, passando,
fui crescendo e já passei
e um belo dia, tristonho,
sozinho ainda escutei:
"Marcha, soldado,
cabeça de papel,
se não marchar direito
vai preso pro quartel!"
Depois, então, fiquei preso
na vida adulta e sem graça
até que senti saudade,
não sei de quê, nem porque...
De você, minha cidade?
Do relógio? Do jardim?
Não sei de quê e nem sei bem porque...
Talvez saudade de mim...