A FALTA DO TANGO

Na vida não aprendi
sequer a dançar um tango,
embora tenha aprendido
os gestos do orangotango,
o grito do curiango
e a comer um pobre frango.

Muita coisa eu aprendi
com pretensa validade...
Pensando na qualidade
enchi, na realidade,
baús de banalidades.

Se ao menos aprendesse
a utilidade do tango...

PENSAMENTO

Penso em você, uma estrela
que se apagou lá no espaço
quando na terra surgiu,

pois em você vejo um astro
brilhando sobre meu rastro,
enchendo tudo de luz!

Pena que tudo se acabe
com tanta celeridade
nesta vida comovente...

Você, estrela tão linda,
há de brilhar muito, ainda,
no céu pequeno da gente!

ELE E ELA

Na antiga Santa Gertrudes,
a velha cidade minha,
um par de jovens se amou.

A moça chegou primeiro:
nas terras férteis e quentes
de uma fazenda formosa
brotaram muitas sementes
que suas mãos semearam.

Filha de Limeira, a terra doce,
onde os laranjais, como pomos de ouro,
reluzem nos pomares,
tinha nos olhos infantis
a ternura sem par das juritis,
as pequenas rolinhas do sertão.

A pele amorenada, a pele herdada
das cálidas campinas da Espanha,
o berço de seus pais.
Na família numerosa
era assim como uma rosa,
como uma flor, nada mais;
tinha a doçura dos frutos
brotados na sua terra.

E o chão todo foi mexido;
as colheitas foram muitas...
era a Espanha ajudando
o meu Brasil florescer
e o solo que a viu criança
viu despontar a mulher.

Um dia ele chegou...
Um rapagão bem moldado,
por cujas veias corria
o sangue da mocidade.
Trazia no porte atlético
uma soberba aparência.      

Seu coração bom e amigo
sorria para o porvir
com o sorriso dos moços,
que faz a mágoa findar
e o pessimismo fugir.
Nos braços fortes trazia
o vigor da antiga Araras,
a terra que o viu surgir.

Rolavam no peito ardente
as cantigas indolentes
das plagas de Portugal
onde nasceram, um dia,
seus extintos ascendentes.

Era pequena a cidade
e a fazenda o conquistou.

Lá ele a viu. Conheceu
a flor morena de Espanha
e dela se enamorou.
Santa Gertrudes sonhava
no sonho daqueles jovens
e lhes dava flores lindas
perfumando seu amor.
Tudo era belo e solene,
de uma ternura perene,
de um encanto natural.

Eles se amaram nos campos,
no adorno das primaveras,
no canto da passarada,
na água dos ribeirões,
nas fibras dos corações...

Até que um dia na igreja
ambos felizes surgiram
e seus destinos uniram.
Numa casinha modesta,
branca e pura como a paz,
eles fizeram seu lar
e ali viveram de afetos.

Hoje são calmos e idosos.
Foi-se o vigor, foi-se o sonho,
as tardes brandas e as rudes,
como um dia eles se foram
da eterna Santa Gertrudes...

Porém deram à cidade
um presente pequenino
na pessoa de um menino
que agora verseja e canta.

E a minha terra esquecida
ouve agora, enternecida,
estes românticos ais:
graças a ele e a ela,
meus nobres e amados pais!

AMOR INOCENTE


Coisa mais pura que um infante amor
Creio na vida bem difícil ter,
Pois não há vícios de volúpias loucas,
Não há maldade, nem descrer, nem prantos...

Mesmo que morra não provoca a dor.
Não tem doçura, mas não faz sofrer,
Não há ternura nas palavras poucas,
Mas há beleza nesse amor de santos.

Meu Deus, quem dera neste meu presente
Reviver o semblante sorridente
De quem me deu um tratamento assim.

Sofro constante sem amor sincero
Sempre buscando, num namoro mero,
Aquele amor que nem chegou ao fim...

BENDITOS



Bendita a mãe que lhe gerou a vida!
Bendito o berço em que você chorou!
Bendito o teto que lhe dá guarida!
Bendita infância que a brincar passou!

Encantos que jamais são enfadonhos
E mesmo os prantos, que lhe descem largos,
Benditos sejam nos vaivens risonhos,
Benditos sejam nos vaivens amargos!

O nosso mundo tem de tudo um pouco,
Um pouco só no seu girar tão louco
Que só devemos bendizer porque

Tudo é bendito se nasceu de Deus.
Benditos erros que são seus e meus!
Bendito amor que me entregou você!

PAISAGEM


Para pintar a paisagem
Do grande sertão paulista,
Pintemos primeiro a imagem
De uma cabocla bonita.

Os bois pastando sem susto
Por entre o capim gordura,
Um rio deslizando a custo
Num leito de pedra escura.

A passarada a cantar
E o bom café a secar
Num recanto de terreiro;

Um roceiro e o sol morrendo,
Uma saudade doendo,
Uma viola e um vaqueiro.



LAMENTOS DE AMANTE


Como é dorido, na tristonha ausência,
Sentir-se a boca sem o beijo quente,
Gravar-se na alma, com cruel demência,
A negra treva que deixou a ausente.

Porque desejo assim, pobre inocência,
Ter o jardim estranho do presente
Se nunca a graça desta complacência
Possa ser prêmio de um amor descrente?

E os versos frios em torrentes vêm
Para, lembrando que já tive alguém,
Beijar os mimos do perdido ardor.

Versos ardentes meu viver recusa;
Tenho poesia, mas não tenho musa,
Tenho desejos, mas não tenho amor.

A MERETRIZ



Vítima presa de cruel destino,
Meiga e formosa, muito moça ainda,
Tem um sorriso de criança linda
E de u’a mártir todo o desatino.

Quanto almejou, por certo, a pobrezinha,
Fazendo planos para ter um lar,
Onde os filhinhos viessem lhe beijar
E ela com eles orasse à tardinha.

Quem foi que maculou tal formosura
Atirando aos vaivéns da desventura
Tanta esperança que em seu peito esteve?

Hoje em seu rosto só sorriso existe,
Mas quando está sozinha e muito triste
Chora, escondida, o lar que nunca teve...

MÃEZINHA


Quando ela passa empurrando
o carrinho de seu filho,
sem querer me maravilho
e sigo, com pés de barro,
no destino desse carro...

Ela é jovem e bonita,
pouco mais que uma criança,
entretanto sempre alcança,
no gesto de todo dia,
profunda filosofia.

Essa mãezinha que passa
na caminhada perfeita
minha estrada encanta e enfeita,
e eu volto a me ver pequeno
e deito o melhor carinho
lá dentro do seu carrinho.   

VERSOS A UMA MÃE



Mãe! Tu és mãe! És a mais linda flor
De quantas flores Deus plantou no mundo!
Tens no teu bom coração o dom profundo
De por no mar da vida um mar de amor.

Em toda angústia que o viver espelha
O teu carinho a redenção derrama
E o mundo todo te procura e chama,
Pois ao de Deus teu nome se assemelha...

Que glória em ter a ti tem o teu filho!
És qual estrela fulgurante e guia
A lhe mostrar a salvação e a luz,

Pois toda mãe a conduzir seu filho
Mais parece a Santíssima Maria
Velando num presépio o seu Jesus...

Minha mãe Amélia ...





OFERENDA PARA MAMÃE



Para a senhora,
que tudo mereceu
- e que merece –
nada tenho de meu,
a não ser a prece
que nasce em agonia
da minha poesia...

Mas essa prece é sua,
pequena deusa,
para a senhora
que tudo mereceria
e que merece...

Essa prece,
essa poesia,
essa agonia
que não arrefece,
eu lhe ofereço, querida!

Na minha prece poética,
a poesia da prece!

COMO A ÁRVORE



Quero viver assim... em minha sombra
Hão de encontrar descanso os corações!
Hei de, aos desesperados, dar alfombra
Chorando as suas dores e emoções.

Na aridez da vida que me cerca
Serei uma esperança e uma alegria
E o caminheiro, que de mim se acerca,
Há de voltar para abraçar-me um dia.

Os homens todos no prazer sem nome
Bendirão as sementes que eu lhes der
Ou colherem os frutos para a fome;

E quando me ferir um mal qualquer,
Como a árvore que morta dá calor
Quero morrer assim... cedendo amor!

MEU CORAÇÃO



Meu coração era qual selva bela
Onde um amor não poderia entrar;
Somente a glória, que das almas zela,
Nos seus recantos deveria estar...

Adolescente eu era e em certo dia
Um anjo belo descobri que amava,
Em pouco tempo a minha selva ardia
E pelas chamas um amor entrava...

Mas esse fogo destruiu-me tudo,
Queimando as ânsias do meu ser em flor
Dando, por prêmio, um infeliz relento;

E eu contemplei, com o meu peito mudo,
As cinzas quentes do infeliz amor
Velozes indo, no soprar do vento.

NO TREM



És linda, minha amiga, até o luar
É tão escuro ante o fulgor teu! Deus
Inspirou em ti a divina arte! O mar
É tão mesquinho ante os olhares teus!

Linda amiga, não sabes que desejo
Que o nosso encontro se tornasse eterno,
Pois dir-me-ias: - “Teu será meu beijo!
Serei calor para o futuro inverno!”

Mas não, não posso tanto desejar,
Que dentro em pouco te vou eu deixar,
Talvez jamais, jamais nos encontraremos...

Será? Talvez... mas nosso amor, querida,
Nascido e morto na mesma despedida
Há de deixar um pouco de nós mesmos!

MEU CANTO



Ouve meu canto amigo que te embala,
Que tange as cordas flébeis das bonanças...
De quanto amor, de quanto ardor te fala,
Que luzes que te dá! E as esperanças...

É chuva de rubi, safira, opala,
Caminho reto nas desesperanças...
Toda beleza viva dele exala,
Em brisas leves e quais ondas mansas.

Se te sentires só, perdida e errante,
Não chores, meu amor, um só instante
Os teus tormentos nem os teus fracassos.

Ouve meu canto amigo e vai seguindo
Os ecos deste canto, eterno e lindo,
Tal fosse a estrela-guia dos teus passos!